INTRODUÇÃO
A partir de que período os veículos de comunicação se interessaram por assuntos relacionados com violência? Pergunta que eu trouxe para iniciar a apresentação e debater aqui.
Até os anos 80 havia uma idéia, difundida pelos meios de comunicação. Atribuía, ao criminoso função nobre, política e romanceada dos seus atos. A idéia do bom bandido, herói do seu povo, vingador da sua classe, da honra sempre foi idealizado em grande medida no cinema e na televisão. O malandro, o Robin Wood, o Zorro, o Cangaceiro, o Mártir. Essa faceta, em boa medida, foi reproduzida nos jornais.
Fui pesquisar, para apresentar nesta oficina, como isso se deu na Folha da Noite, Folha da Manhã e finalmente Folha de São Paulo constatei que até os anos 70, portanto aproximadamente 50 anos do veículo, as informações de cunho violento retratavam revolta de grupos políticos, assassinatos, alguns assaltos às propriedades de empresários e políticos, ação de movimentos subversivos, relatos de guerras pelo mundo afora, morte de líderes religiosos ou políticos. A violência do cotidiano como é hoje não existia ao menos nos noticiários.
A partir dos anos 70 até meados de 80 as informações prisão política, seqüestro provocados por movimentos organizados. Após o desse período pós-ditadura as cenas e fatos sobre violência começa a ocupar mais espaços na mídia cenas do cotidiano começa a ganhar forma e força na programação. Grande marco do sensacionalismo e um divisor de águas, na televisão brasileira, foram as cenas dos edifícios Andraus e Joelma em chamas que chocaram a opinião pública com imagens de pessoas se jogando do prédio.
Foi na década de 60 que as grandes empresas de comunicação lançam editoriais destinados aos assuntos do cotidiano, policiais e violência, ou criaram produtos específicos para atingir a classe mais baixa da população. Foi nessa época que
surgiu o NP.
O jornal Notícias Populares, o pioneiro em matéria de veículo destina ao sensacionalismo. O jornal tinha como sua espinha dorsal o tripé sexo, bizarrice e violência. Sob essa lógica de trabalho eram pautadas as matérias e as fotos. Os profissionais atuantes, editores, repórteres e fotógrafos conheciam como ninguém o mundo cão das ruas e esse exercício pela procura do mórbido era diário. Lançado em 15 de outubro de 1963, com o slogan “nada mais que a verdade”. Caracterizada por notícias e fotos manchetadas e linguagem popular.
“A população, assombrada com tanta violência, procura nas páginas do NP e nas fotos do veículo uma fuga do real. A transcendência da verdade. Da realidade do bairro, da violência das ruas, de sua própria enfermidade. O que o individuo procura na fotografia do NP é justamente uma realidade pior que a sua própria realidade, num desejo desesperado de encontrar motivos para continuar fazendo sua vida valer a pena, fazer o seu cotidiano, apesar de intragável, prosseguir”
Rádio – Programa Sensacionalista
Modelo copiado posteriormente na televisão, o programa Gil Gomes cujo jargão do apresentador “Gil Gomes lhes diz” virou líder de audiência para as rádios
Televisão – Aqui e Agora
Especulações de que o NP perdeu espaço para o programa Aqui e Agora e foi o responsável pelo fechamento do veículo. O Aqui e Agora líder absoluto de audiência nos anos 90 foi ícone dos fracos e oprimidos e o terror de comerciantes, funcionários públicos, diretores de hospitais. O programa consagrou apresentadores como Celso Russomano, Cesar Tralli, Silvia Garcia entre outros. Ameaçar falar “vou chamar o Aqui e Agora” tinha mais força que poder da polícia e da lei.
Dos anos 80 em diante a violência vira espetáculo na mídia. Fiz uma pesquisa realizada em 58 edições do Jornal O Estado de São Paulo durante todo o ano 2003 (de jan a dez) revelou que em 32 haviam informações de violência contra 6 de educação. A pesquisa foi destinada ao município de SP.
SUPOSTAS CAUSAS DA EXPLOSÃO DO TEMA NA MÍDIA
1-Período pós-ditadura com o milagre econômico. 2-Liberdade de expressão da mídia. 3- Onde tudo poder ser dito e visto. 4- Nos últimos 60 anos, que é a idade da televisão brasileira, a informação sobre violência vem acompanhando o ritmo das transformações tecnológicas, políticas, sociais, culturais e econômicas. 5- O advento das novas tecnologias na indústria do entretenimento e a modernização dos parques gráficos. 6- Crescimento do mercado publicitário busca incansável por aumento de audiência. 7- Aumento das desigualdades. 8- Tráfego de armas e drogas. 9- E o próprio interesse do expectador por assuntos sensacionalistas carregado de fotos.
ALGUNS CONCEITOS
Conceitos que podem justificar as razões da mídia introduzir assuntos de violência ou sensacionalistas.
Imprensa e poder
Há mais de um século, o conflito entre a imprensa e o poder é uma questão da atualidade. Por muito tempo a imprensa foi classificada como o quarto poder, em oposição aos outros três: executivo, legislativo e judiciário. Seguindo a classificação tripartite de Montesquieu. E cuja principal missão cívica seria vigiar e denunciar a ação dos outros três. Podemos ainda qualificá-la desse modo?
Segundo Ignácio Ramonet, em seu livro a Tirania da Comunicação. Ainda que a imprensa funcionasse como o quarto poder seria necessário que os três outros existissem de fato e que a hierarquia que os dispõe na classificação de Montesquieu fosse sempre válida, para ele na verdade o primeiro poder é hoje exercido pela economia. O segundo (cuja a imbricação com o primeiro se mostra muito forte) é certamente o midiático – instrumento de influência, de ação e de decisão incontestável – de modo que o poder político só vem em terceiro lugar.
O poder simbólico
O poder simbólico é uma teoria defendida por Pierre Bourdieu que classifica o efeito e as consquências de um poder invisível que só é possível a existência com a cumplicidade da “vítima”. Sabe da existência mas não a reconhece ou não a aceita. Segundo Bourdieu, o Poder Simbólico está por toda a parte, irreconhecível, transformado e legitimado por outras formas de poder. É a capacidade de reconstruir a realidade que tende a estabelecer uma ordem imediata doas coisas. Supõe um conformismo do outro. É o encontro da reprodução social com a integração moral.
Como exemplo. As telenovelas sempre faz isso quando apresenta a face dos problemas sociais como um interesse universal mas há interesses particulares,. Quando aborda a violência doméstica, gênero, raça, desigualdades sociais e abusos diversos. Será que ela quer conscientizar ou serve para dar legimidade as diferenças? Difenças de classe e de raça? Weber chama a “domesticação dos dominados” o poder de impor ou mesmo inculcar instrumentos de conhecimento. Quem contribui para esse efeito? Campos como o político, o juridico, o acadêmico e a reprodução da mídia.
Outros simbolismos que podem ser refletidos. O quão simbólico é a queda do muro de Berlim A eleição do Barack Obama.
Violência do imaginário
Para Maria Rita Kelh é a mais grave, pois trata-se, grosso modo, da violência causada pelo excesso de exposição de imagens de violência nos meios de comunicação com a capacidade de transformar o outro em ser incapaz de se sensibilizar com o tema. A violência vira informação comum e é transportada para o dia-a-dia como ação normal.
Análise de pesquisa realizada no final dos anos 90 responsabiliza a mídia como responsável pela produção da violência. Uma relação de causa e efeito com o comportamento de pessoas que se expõe a uma programação predominante violenta. Acaba que o outro acha que a violência é algo normal, aceitável e não sofre mais nenhuma emoção ou sensibilidade a ela, não causa mais horror.
O excesso de imagens violenta também dispensa o uso do pensamento que vem pronto com o fluxo de imagens. No seu estudo sobre a condição humana Hannah Arendt acredita e defende a violência do imaginário como a ausência de reflexão.
Podemos então supor que a mídia fortalece a violência e a manutenção do “status quo”? Ou será que há mesmo aquele pensamento afirmativo. Se a mídia mostra tanto, fala tanto tem que ser assim, não há remédio!!! Onde tudo pode ser visto e dito, pode ser feito!
“Imagens, milhões de imagens, eis o que eu devoro... Já procurou abandonar esse vício com morfina?” Esta frase foi dita por William Burroughs, pintor, escritor e crítico social.
Espetacularização da cobertura e da informação: O espetáculo que gera lucro, gera audiência.
Para Guy Debord espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a uma vida humana, isto é, como a negação visível da vida. Como uma negação da vida que se tornou visível. No espetáculo o que fica entendido e nada mais diz senão que: o que aparece é bom, o que é bom aparece. Pode vir revestidos de vários formatos em imagens produzidas. A realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si própria a ordem espetacular dando-lhe uma adesão positiva.
O que o espetáculo sugere ou imprime é a alienação dos espectadores em proveito do objeto contemplado. Quanto mais se contempla menos ouve e menos compreende a própria existência e o próprio desejo e necessidade. Não é um tanto narcisista esse conceito?
Hipótese do Agenda Setting Estuda os efeitos que alguns assuntos tem na opinião pública. E se a opinião não é uma reprodução daquilo que a própria mídia quer ou impõe. O poder de agendar e a capacidade de deixar os temas por determinado tempo em evidência para incutir ou influenciar na opinião.
O público sabe ou ignora, presta atenção ou descarta, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas tem tendencias a incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que a mídia inclui ou exclui do seu conteúdo.
Além disso para a hipótese da Agenda Setting o público tende a atribuir importância ao tema do tamanho que é definido pela mídia. Os temas ganham destaque e viram notícias de acordo com os interesses da mídia.
Podemos citar exemplos? Quais? A discussão sobre redução da jornada de trabalho redução com redução de salário ou demissão. Não é estranho que o assunto venha a tona agora em janeiro. O que este tema faz com a cabeça dos trabalhadores e da opinião pública em geral? Que pano de fundo há nisso?
Na hipótese do Agenda setting é a midia a mediadora de alguns interesses “ocultos” e faz submergir temas que é necessário discutir, mas a opinião está dada. Preste atenção na agenda da mídia! Será que a mídia tem reproduzido o retrato fiel do trabalho as instituições policiais?
Gatekeeper (os guardiões do portão – o selecionador) A hipótese da teoria do filtro. Conjuntos de força ou critérios que opera para filtrar uma informação para virar notícia. Pessoa (profissional jornalista) ou grupo que tem a capacidade e o poder de decidir, se deixa uma informação passar ou se a bloqueia. Não há parcialidade, a predominância é interesse empresarial e a politica editorial do veículo, como um negócio e o olhar do profissional que julga de acordo com seus interesses profissionais. Imprime seus próprios valores que resulta na parcialidade e na manipulação da informação em conjunto com a rede de fontes que possuem.
“César tinha suas legiões e Napoleão tinha o seu exército. Eu tenho minhas divisões: TV, jornais, revistas e a meia noite de hoje estarei influenciando o maior número de pessoas que alguém jamais conseguiu, a não ser Deus. E o máximo que ele fez foi o sermão da montanha”. Fala do personagem Elliot Carver – Megaempresário das telecomunicações no filme 007 – O amanhã nunca morre
Newsmaking Teoria da noticiabilidade das informações. É uma sequência do gatekepper. Mas avalia propriamente a informação e o valor que ela tem para virar notícia dentro de alguns cretérios. Determina o conjunto de caracteristicas que o acontecimento deve possuir (o estatuto da notícia) 1 – Deve se avaliar a possibilidade do fato ser reconhecido como acontecimento notável. 2 - Deve ser definidos formas de relatar os acontecimentos sem a pretensão do tratamento pessoal. Mas são os profissionais da mídia que determinam a noticiabilidade da informação. Tem a capacidade de dar valor a informação de acordo com seus interesses, envolve o impacto e a audiência. A escolha das fontes.
Incide no Mimetismo (imitar) É aquela febre que se apodera ou ataca repentinamente a mídia para cobrir um acontecimento qualquer que seja sob o pretexto de que outros meios de comunicação irão cobrir e lhe atribui uma grande importância. O efeito provoca uma bola de neve pois quanto mais se falam de um assunto mais indispensável a sua cobertura se transforma. Consagrando-lhe mais tempo, mais recursos e mais jornalista.
Exemplo que serve para os três
Chega na empresa de comunicação a informação, de fonte segura, que há um princípio de rebelião num presídio da capital. O Gatekeeper (selecionador). Diz, opa e manda uma equipe para lá! No newsmaker é avaliado a noticiabilidade que cabe na informação. Rebelião é segundo o conceito de Maria Rita Kehl, comum, não causa mais tanta sensibilização não comove. É a violência do imaginário. Mas descobrir que a rebelião é a revolta dos detentos motivada por uma regalia concedida ao chefe do PCC, um induto ou o excesso de visita intima que recebe. A newsmaker – noticiabilidade passa a ser o motivo que gerou a rebelião. O mimetismo é um outro veículo que também estava no acontecimento ir nessa mesma linha depois de saber disso através do concorrente
Importância da Comunicação
Embora ninguém nega a indispensável função da comunicação de massa numa democracia, a informação continua sendo essencial ao bom andamento da sociedade. Sabe-se que não há democracia possível sem uma boa rede de comunicação e sem o máximo de informação livre. É graças a informação e ao conhecimento que o ser humano vive como um ser livre.
Deve ou não informar. Sim! Temos que continuar sendo as fontes para os meios de comunicação. Mesmo numa época de mídia tendenciosa e editorializada, comprometido com anunciantes ou com forças políticas onde não há imparcialidade. A importância de usar das mídias sociais para promover um debate e interação. Onde há o poder da participação de pessoas comuns no processo e produção da informação não são empresas, nem marca via; blogs, orkut. wiki, you tube, podcast, entre outros.
Saiu a consolidação anual feita pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) e os jornais brasileiros encerraram o ano de 2008 com uma circulação 5% maior daquela registrada em 2007. A novidade, no entanto, é a confirmação do enorme crescimento dos jornais populares entre os 10 jornais de maior circulação no Brasil, quatro são populares e um é um jornal de notícias esportivas. E entre os cinco primeiros, três são populares. A circulação média diária dos três principais jornais populares – Super Notícia, Meia Hora e Extra –, de 738.377 exemplares, já é quase igual à dos chamados jornais "nacionais“ Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de S.Paulo: 812.746 mil exemplares. Fonte IVC.
Audiência segundo o IBOPE
Universos: 5.728.442 domicílios e 17.701.760 indivíduos. Um ponto de audiência corresponde a 1% destes respectivos universos. Fonte IBOPE.
Por fim
Este grupo, como multiplicadores de opinião, tem que tentar intervir de alguma forma nas informações distorcidas. Postar comentários nas midias sociais. Produzir seus próprios de meios de comunicação e informação através de veículos dirigidos e próprios.
Usar sempre a mídias alternativas para informar é o caminho.
Que mídia temos e que mídia queremos é tema de diversos fóruns de debate. Democratização dos meios de comunicação é uma realidade? Que obrigação ou responsabilidade a mídia tem de atender nossos anseios? São reflexões para um próximo encontro.
Bibliografia utilizada:
Inácio Ramonet: Tirania da Comunicação – Mauro Wolf: Teorias da Comunicação – Pierre Bourdieu: Poder Simbólico – Maria Rita Kehl Texto: retirado do livro: A TV aos ro. Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário – Guy Debord: A sociedade do Espetáculo – Hannah Arendt: Condição Humana
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